Conhece-te a ti mesmo
Isso não quer dizer perdido, mergulhado no universo; entretanto, o engajamento do sujeito no mundo implica, para o indivíduo, uma forma particular de relação consigo e com os outros. A máxima de Delfos: "Conhece-te a ti mesmo", não prega, como estaríamos tentados a supor, uma volta sobre si mesmo para atingir, por introspecção e autoanálise, um "eu" oculto, invisível aos outros, e que seria posto como puro ato de pensamento ou como o campo secreto da intimidade pessoal. O cogito cartesiano, o "penso logo existo", não é menos estranho para o conhecimento que o homem grego tem de si do que para sua experiência do mundo. Nenhum dos dois, o conhecimento e a experiência, está dado na interioridade de sua consciência subjetiva. Para o oráculo, "conhece-te a ti mesmo" significa: conhece teus limites, saiba que és um homem mortal, não tentes igualar-te aos deuses. Até mesmo para o Sócrates de Platão, que reinterpreta a formulação tradicional e lhe dá um alcance filosófico novo fazendo-a dizer: conhece o que tu és realmente, o que em ti é tu mesmo — ou seja, tua alma, tua psykhé —, não se trata absolutamente de incitar seus interlocutores a dirigir seu olhar para o interior de si mesmos para se descobrirem por dentro de seu eu. Se há uma evidência incontestável, é que o olho não pode ver a si mesmo: ele sempre precisa dirigir seus raios para um objeto situado no exterior. Da mesma forma, o sinal visível de nossa identidade, este rosto que oferecemos aos olhares de todos para que nos reconheçam, jamais poderemos contemplá-lo nós mesmos, a não ser que fôssemos buscar nos olhos de outro o espelho que nos remeta de fora nossa própria imagem.
Jean-Pierre Vernant - Mito & Política – pag. 183